Perdido no meio da floresta não sabia mais o que fazer, Joana sempre me dissera que é no escuro que se descobrem os verdadeiros medos, mas ali em pleno dia, apesar de as árvores se estenderem para bem longe do meu campo de visão e bastante acima da minha cabeça, eu descobri que não era bem assim. Os meus amigos estavam desaparecidos, a “reencarnação” de Joana estava feita prisioneira e eu estava acompanhado unicamente da primeira criatura que me tinha tentado matar e por momentos quase o conseguira. Agora essa mesma criatura era a minha única esperança de encontrar o caminho de regresso para fora desta terrível floresta, mas nem mesmo ele sabia onde estávamos, nem para que lado ir. Em pequeno tinha aprendido métodos de sobrevivência, como guiar-me pelas estrelas durante a noite ou descobrir o norte através do musgo nos trocos das arvores, mas aqui em Ometra de nada isso me servia, mesmo que desse para ver os céus durante a noite, Ometra unicamente continha 12 estrelas, representativas das 12 guerras perdidas e toda elas giravam constantemente, seria mais eternas estrelas cadentes que constelações propriamente ditas e como tal não tinham lugar fixo no céu e o mais próximo de musgo que detectava nas arvores era uma substância que em tudo se assemelhava a chocolate branco, inclusive no cheiro, apesar de unicamente crescer de um lado da arvore cada arvore o tinha de um lado diferente.
Arthye estava sentado em cima de um pequeno rochedo, com o punhal de osso-de-dragão na mão esquerda e um pau com 1/3 do tamanho do seu pulso.
-Fidelius, artimus, suprimyr, arfit – murmurou.
-Ó Arthye, isso é o que? - Sem esperar por resposta, recordei-lhe do episodio que nos tinha levado aquela floresta em pleno fim do mundo - A última tentativa que fizeste valeu-nos quase ser o pequeno-almoço de Myrpor, não é que não confie em ti – e não o faço – mas julgo que será melhor deixar-mos a velha religião em paz e guiarmo-nos pelo instinto!?
-Eu vou deixar isto bem claro, para evitar mais confusões U, eu não quero estar aqui contigo, eu não te quero proteger, eu não te quero em Ometra e eu não acredito que tu sejas o cavaleiro do dragão de que fala a profecia, mas enquanto ajuramentado de sangue da guarda do grande ancião, sou obrigado a faze-lo e apesar de não te poder matar, nem deixar que te matem, tal juramento não me impede de te deixar bastante ferido – Disse saltando para uma rocha mais elevada de cor âmbar, o pau que anteriormente estava na sua mão desaparecera, dando lugar a um arco e uma flecha, ambos tão verdes como os olhos de Arthye – Agora cala-te e deixa-me arranjar o almoço – dito isso disparou em direcção ao céu – Suprimyr, gurwwer, marthqer, bcter.
Passados pouco mais de 5 minutos um animal pouco maior que um ganso adulto caiu do céu aos meus pés com a flecha a transformar-se num punhal, o mesmo punhal que minutos antes estava nas mãos de Arthye só então reparei que também o punhal tinha desaparecido. Arthye já se tinha debruçado sobre o animal e começara a retalhar a carcaça.
- Na velha religião nada se perde, tudo se transforma – disse ao reparar na minha cara surpresa – para salvar uma vida outra tem de ser dada, nem todas as vidas podem ser resgatadas após o seu fim. Existem três grandes regras. – Nisso começou a enumera-las com os dedos – A primeira regra é que “Uma vida perdida para a escuridão só pode ser resgatada com o brilho de outra vida”, isso significa que para resgatares alguém que tenha morrido terás de sacrificar outra vida em troca. A segunda regra é que “O fim chega a todos para que o inicio de outros também chegue”, esta aplica-se a vocês humanos.
- Tal como se sucedeu a Joana logo após a sua morte, certo? – Disse antes de permitir que ele termina-se, algo que o irritou visivelmente.
- Sim, é o caso da minha irmã. – Disse com bastante ressentimento presente na sua voz e postura – E a terceira regra dita que “Qualquer ligação de sangue e de alma sobre pretexto algum pode ser quebrado” , e é essa a razão pela qual tu e a minha irmã se entenderam tão rapidamente. – Notou-se que isso o deixava bastante incomodado.
O resto do dia foi passado num silêncio algo constrangedor enquanto caminhávamos na mesma direcção desde o inicio da nossa aventura. Perto do anoitecer Arthye pousou a sua mochila no chão:
-Acampamos aqui esta noite, esta floresta não deve ser incomodada após o anoitecer, é a floresta das almas e qualquer perturbação terá o seu pagamento.
Comemos algo que se assemelhava bastante a uma perna de peru, mas que sabia a marisco, ainda do mesmo animal que Arthye capturara para o almoço. Dissera-me que o animal era chamado a “Dádiva da vida”, porque a sua carne fornecia todos os nutrientes necessários à sobrevivência de Ometra:
- As duas cabeças significação o passado e o futuro, o seu corpo significa o presente, no mesmo se encontram aos três corações, um para cada amor que um ser tem, amor pela família, amor pela sua terra e amor pelo seu espírito, a perna e pata significa o caminho, por ser a parte do corpo que mais se aproxima da terra, terra que nos viu nascer, terra que nos fez morrer e terra que nos consumirá, permitindo novos nascimentos – dissera – novamente a segunda regras da velha religião.
Os 8 dias seguintes foram passados sempre na mesma rotina, caminhar, dormir, caminhar, dormir. Nunca senti mais medo do que aqui, não propriamente pelo lugar em si e já nem tanto pela companhia, mas sim pelo que me esperava após esta densa floresta. Não sabia, nem imaginava o que seria, já vira tanto nestes últimos 5 meses em Ometra, tudo o que aprenderá na terra estava a mostrar-se no mínimo inútil. Pedro e Aguiar tinham ambos desaparecido e a “reencarnação” de Joana capturada por uma força que nem mesmo o grande Ancião ouvira falar, tirando a passagem do maldito livro. Ter de enfrentar o desconhecido por vezes pode mostrar-se mais complicado do que lutar contra um exercito, afinal de contas, o medo corta mais afiado que a lamina e não é necessário ser um verdadeiro génio militar para saber que um punhal encostado às costas por um desconhecido é de longe mais perigoso do que a espada brandida por um inimigo. Ao nono dia, muito perto do seu fim conseguimos vislumbrar ao longe uma estrutura que em muito se assemelhava aos castelos na terra, era um forte em forma de pentágono com muralhas com cerca de 30 metros de altura e cinco torres na muralha que se erguiam 40 metros acima da muralha. Ao centro uma torre toda construída com pedras roxas elevava-se ainda uns 5 metros acima das restantes.
- Eu julgo que conheço este forte – Disse, vasculhando o interior da minha mochila e retirando de lá um livro intitulado “Os fortes do Rei Guwien I, o protector” e folheando o mesmo – Ahah, encontrei, olha para esta passagem, «Após o ataque das forças do Rei da escuridão, o então príncipe Guwien I, filho do Rei Gonçalo Bartheon e da Rainha Ângela Bartheon sugeriu a criação de 10 fortes para assinalar os locais das derrotas contra a escuridão. Esses fortes deveriam ter o formato da mesa do senado das respectivas épocas, de forma a mostrar que a força do povo de Ometra seria sempre superior à força da escuridão independentemente das batalhas. (…) Reza porém a lenda de que, após a sua coroação e com o intuito de proteger o seu povo contra possíveis ataques dos filhos da escuridão, Guwien I terá negociado a construção com restantes 4 reis de um décimo primeiro forte, essa deveria ser construído em plena floresta das almas e mantida em segredo absoluto. O forte da protecção – assim chamado pela sua função – serviria como observatório e teria o formato de um pentágono sendo que em cada ponto estaria uma torre virada para cada um dos reinos. Esse forte não deveria nunca possibilitar a entrada de qualquer tipo de arma e unicamente o cavaleiro do dragão da profecia poderia activar o seu poder. Sobre esse poder oculto nada existe em concreto, mas durante diversos anos vários historiadores juraram sobre a sua campa que tal forte permitia a acessão dos antigos guerreiros dragão criando assim um exercito que destruiria para todo o sempre a escuridão (…) »
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